: Ah, essa florzinha que tem...o cabelo de índio?
: É nada.
: A Zefina tem bastante na cerca lá, aqui tem um pé que ela plantou. Eu num alembro. A gente fala assim, a flor dela é igualzinho o cabelo de índio assim. Mai não é esse nome.
: No mês de Natal, dezembro, ela enche de flor. E ela cheira.
: Esse aí ela cheira memo. Esse dá um cheiro gostoso.
: Perto do Natal?
: É. Ela enche de flor, cheira de noite. Agora tá com um pouquinho de flor.
[Maria Nazaré pede pra Ernesto afastar a galinha: “tacá a galinha embora”]
: E tem alguma história assim que a turma contava antigamente, essas coisas mais assim de... mística, de bicho, lobisomem...sabe essas histórias assim? E que contava que vivia na floresta...
: O lobisomem quase que me mata.
: O lobisomem?
: O lobisomem foi no mijolo. Tava o lobisomem no mijolo.
: Essa flor que ela tava falando, tá tudo com flor agora.
: Fazê farinha. Daí o lobisomem chegou lá pra comê carvão. Aí a minha mãe falou assim: - fica quieta que o lobisomem tá chegando. Aí eu fiquei encostada né no canto. Aí ele entrou, o cachorrão entrou, foi lá na boca do forno, aí a mãe tinha moiado aquele carvão, ele pegou o carvão né? Daí a mãe: - fique quietinha que ele vai embora. Vai embora! [...]. E foi embora. Aí eu falei, fecha a porta mãe, tranca a porta que agora ele não vai vir mais. Minha mãe tinha uma coragem, tinha que vê. E eu tava encolhida atrás do pilão, e já ali com medo dele vir ne mim. Mais ele não veio, minha mãe tava comigo e ele saiu, foi embora. Ele saiu foi-se embora né, noutro dia cedo, a mãe falou assim: - ele subiu pra cima. Daí essa foi na primeira vez, da primeira pra segunda noite, ele veio de novo. Aí o meu pai tava lá, você não vai fazer nada, [...]. O pai falou: - vamo atirá. - Não, não vai atirá não! Larga a mão mesmo, não vá mexê com ele. Ele é vivo, ele pega o carvão e vai embora. Aí ele pegou o carvão, [...] aí ele saiu. Eu falei: - mãe porque nóis não dá um com o cabo de vassoura na perna dele, ele não volta mais, falei pra mãe né? A mãe: - não! Aí eu subi, não aguentei, peguei o cabo da foice, mandei o cabo da foice na perna dele. Ele saiu mancando, gritando, foi embora. Aí a mãe: - cê num podia fazê isso, se sai sangue depois você vai vê só! Que se você tirá o sangue dele, você fica, pega o [...]. Diz que a gente vira lobisome também. A mãe falou: - porque cê feiz isso daí? E daí foi embora. Mãe quero vê quem que é o lobisome, porque se é vivo, amanhã eu vejo, vou de casa em casa vê quem é que tá com a perna machucada. Eu era teimosa, ruim, num obedecia a mãe. Aí noutro dia nóis levantemo cedo, e eu vim embora pra trazê a farinha, e levá comida pra mãe. Aí eu vim com o cavalo, o burro, descarreguei o burro, e vim embora e passei na porta da mulher lá em cima. Aí eu parei né? Falei: - Dona, o [...] tá aí? - Tá dormindo que ele passou mal essa noite, ele foi lá num bar lá em cima e caiu e machucou a perna. Eu falei: - ah, ele machucou a perna? Aí desci do cavalo na hora. [...]. - Você machucou a perna aonde? - Ah, eu machuquei lá na cerca de arame do japonei. Aí tava o machucado na perna dele assim né? Eu falei: - tá bom, mas não saiu sangue? Ele falou: - Não, só bati a perna. Eu falei: - ah então tá bão. Passa um remédio que já sara. E peguei o cavalo e vim embora. Cheguei em casa falei: - mãe, sabe quem que é o lobisomem, mãe? É o Seu Fulano, de cima ali que tá vindo aqui. A mãe assim, - mais o dono do mijolo. Agora ocê não vai ficá sozinha aqui, porque ele vai vim vinga ocê, você bateu nele. - Não...eu...se ele vim eu dou de novo! Ele não vortou mais. Ele não veio mais no mijolo. Que foi lá na casa da vizinha, ele foi. Mai ali no mijolo ele não veio mais não. Daí a mãe falou: - se não tirou sangue, tá tudo bem com ocê. Se tirá sangue não pode. Eu perguntei se saiu sangue ele falou não, então tá bão. Ele sempre vivia tentando nóis, tentava o bairro inteiro. Só eu com a mãe sabia. - Nóis não conta nada pra ninguém e nem você que ele é o lobisomem. Que daí fica feio, fica ruim. Nem pra mulher dele, conta nada. E passou uns dias, nóis tava uma semana no mijolo fazendo farinha, a mulher dele veio falá pra mãe, que era comadre: - o meu marido saiu e vortou tudo machucado, arranhado de arame, ele tá lá ruim, ele tá com febre. E eu...Ela tinha uma criança pequena, diz que ele comeu toda a fralda da criança. Tá tudo rasgado, tudo rasgado esses cachorro que entrou. Aí eu falei: - ih dona, pega suas fralda esconda bem longe, porque senão você vai vê, ainda vai ficá sem fralda. Porque...já viu né? A mãe piscou pra mim, eu fiquei quieta. Tava quase contando pra ela, quem que era. Ela: - cê sabe de alguma coisa? Sabe de alguma coisa? Eu não sei de nada. A mãe: - não...ela fala coisa que não deve falá. Quieto filha! Porque que tá falando coisa que não deve falá? Eu fiquei quieta. Ela ficou cismada... que era o marido dela era lobisome. Que agora que ela tinha criança, tinha medo de comê a criança dela né? Diz que vinha na criança né? Ele pegava a criança pra comê. Ele é um cachorrão grandão. Depois desses tempo daí, de um tempo pra cá, mudemo pra cá, num fomo fazê farinha mais, num mais vi ele. Aí ele mudou pra Atibaia, foi embora pra lá. Num vi mais ele não. Mais ele tentava todo mundo do bairro. Ele vinha até pra cá ele vinha, saía longe né? Andava longe. Ele tinha esse negócio aí, se a gente batesse nele [faz barulho batendo na mão], ele queria que batesse nele pra tirá o sangue pra larga desse vício. E nóis morava vizinho com a bruxa. A nossa fazenda ficava aqui, e aqui tinha uma água que atravessava e aqui era a casa dela. Ela era bruxa.