Sobre o trabalho de etnobotânica

A exuberante biodiversidade de flora da Mata Atlântica é acompanhada há séculos pela sociodiversidade que, interagindo com os ecossistemas florestais contribui para seu conhecimento. Indígenas, caiçaras, quilombolas e agricultores familiares desenvolveram nesta interação conhecimentos botânicos de grande profundidade e relevância para a conservação biológica. Esta diversidade biocultural se encontra ameaçada pela intensa transformação da paisagem, destruição dos ecossistemas e pela urbanização crescente.

Tais conhecimentos botânicos, produzidos por uma atividade intelectual intensa, por experiências e práticas cotidianas se realiza no uso direto das plantas para alimentação, construção de casas, roupas, fabricação de medicamentos, com grande associação aos componentes culturais, míticos e emotivos. Por outro lado, nas sociedades industrializadas essa relação é mais distante ou de caráter mais utilitário, uma vez que os padrões atuais de produção e consumo afastam a percepção de que a maioria dos produtos que se utiliza provém de espécies vegetais.

Esta afirmação pode ser feita para os moradores do Bairro Moinho, em Nazaré Paulista que, interagindo há décadas com a Mata Atlântica, desenvolveram todo um saber-fazer, um habitus no lidar com a flora e a fauna, mesmo diante de contextos de mudanças ecológicas e sociais impactantes, fruto de sua presença próximo a uma grande metrópole como São Paulo. A etnobotânica, compreendida como um campo de estudos das relações entre os seres humanos e as espécies vegetais, principalmente os usos, classificações e importância mítica da flora para as sociedades, pode contribuir para elevar o status de conhecimentos a cerca do bioma da Mata Atlântica. A etnobotância, trabalhada num clima de diálogo de saberes, possui potencial teórico e metodológico elevado para tratar de assuntos ligados à biologia da conservação, como: o reflorestamento, a educação socioambiental e a valorização de produtos e serviços da sociobiodiversidade.

Foi neste sentido, que se realizou esta pesquisa junto aos moradores da zona rural de Nazaré Paulista. Através da etnobotânica procurou-se compreender os conhecimentos da plantas, principalmente relacionados a diversidade percebida e utilizada, a história destas relações e suas dimensões emotivas e sensitivas. Assim, foram utilizadas ferramentas qualitativas e quantitativas para a coleta de dados, bem como princípios éticos no acesso às pessoas e seus conhecimentos, buscando identificar os ambientes e as espécies com as quais os moradores se relacionam, bem como a importância das mesmas para o modo de vida local. No total, foram mapeadas o uso de 63 espécies nativas, das quais 21 foram classificadas como as mais importantes em valor de uso para a população local.