: Eu fui criado sem pai, praticamente, tinha mãe, mas praticamente sem mãe porque tinha que trabaiá pra tratá nóis. A minha avó que, porque morava tudo junto: minha vó, meus tio, minha mãe. E eles fazia roça [...], mais fazia roça, não é um punhadinho assim, é roça mesmo, do cê vê assim dobrá um morrão desse... o tempo que o pessoal era unido, então, era assim: vamos supor a família de casa tinha doze pessoa que trabalhava junto, entre tio e sobrinho e tudo, eles plantavam um roça enorme, outro vizinho também plantava enorme, o outro do bairro, então o que acontecia, era sempre controlado: hoje vamo fazer o matirão [mutirão], não sei se você sabe o que é matirão, então vinha trabaiava pra pessoa e a pessoa dava comida e a pessoa trabaiava, dia trocado no caso. Daí hoje vinha vinte, trinta pessoa pra ajudá eu, no caso que era meu tio, ajudava, outro sábado, era do fulano, de um que veio ali, então ia todo mundo lá de novo, limpava a roça dele. Outro sábado vinha aquela mesma turma na outra, de outra turma que começou a ajudá o primeiro, é assim.
: E a maior parte era tudo parente, tio, primo?
: Não, era...tinha parente, mas a maioria era tudo amigo, conhecido. Tudo, tudo, vizinho, era muito unido. Matava um porco, a gente, a molecada catava a bicicleta lá e saía dividindo pros vizinho: pedacinho pra um, pedacinho pra outro. Às vezes um porco não dava, matava outro pra sobrá pra família. E era assim, todo mundo. Também a gente comia o tempo inteiro porque todo mundo trazia. Era assim, era muito unido. Unido demais. Hoje não tem isso, a gente fazia e eu era molecada, eu alembro disso, mas eu tinha onze ano, dez ano, já misturado no meio da turma. Ia fazê bagunça, mai ia, tava no meio, se fizesse bagunça meu tio cobria no cipó, tem que ajudá a trabaiá né? É... abóbora, nossa...como colhia abóbora era só, pro que já criamo de porco, jogava no terrero pra galinhas pinicá, não tinha comércio, num tinha que nem hoje. Hoje [...] você vende. Naquele tempo, cê num...num tinha. Feijão, arroz mesmo, essas coisa, todo mundo plantava, era difícil aparecê um compradô pra comprá. Era só nos armazém, na cidade, que nem vinha lá, tinha um saco de feijão... Mesmo na época em que eu trabaiei aqui era assim já, praticamente até agora quase. Então era uma vida bem apertada, mas de muita fartura. Dinheiro cê num via, mas fartura se tinha pra jogá fora. O pai dela mesmo, jogava, como se fala, cargueiro de feijão fora porque embolorava, mofava de véio, que sobrava, cozinhava o porco.
: O que é carguero?