: Nem pode.
: E nem podia porque desmanchava também, era só quem tava fazendo. Se entrasse um lá e falasse quarquer coisa, pronto, acabava o sabão. Tinha essas manias também. O dia do café, as vezes sobrava um pouquinho pros homi, mas os homi sempre arrumava uma desculpa e esborrifava fora.
: Sabe que pra curá o sabão, a gente pegava uma palha de milho, fazia um caranguejo e jogava no forno, três caranguejinho.
: pra ferver junto.
: Ah não, aí o sabão vinha de novo.
: A simpatia pra vortá.
: Daí o sabão vinha de novo. Era só moleque chegá, gritá na porta, pronto... Era assim.
: Que nem pra você entendê como é que era o negócio: o forno do sabão tá lá apurado, que nem um melado, mais ou menos, então chegava eu, e dava um grito falava quarquer bobage ali, pronto, aquele lá ia minguando, virava um aguão, acabava em nada, daí as muierada tinha que corrê com as simpatia que nem era conhecido, que era esse negócio de caranguejo, devia ter mais arguma coisa não alembro, caranguejo alembro, fazia o caranguejo de papel e sei fazê até hoje, o caranguejo, jogava, rezava lá não sei...a reza lá e continuava o serviço e atropelava todo mundo de perna. Já ninguém ia mesmo né? Já era avisado e todo mundo sabia. Mais de vez em quando escapava um lá mai pequeno e ia lá aprontá. E tinha esse tipo de coisa.
: Como que é o caranguejo?
: Você pega duas palha de milho...
: Aí você trança ele e faz aquelas perninha igual de caranguejo.
: Dá certinho.
: Fecha ele.
: Tira o talinho, dobra o talinho assim no meio, dobra outro enfia no meio, depois trança mais um, ele fica com quatro perna. É só duas trança só pra ele pará só. Acho que é três, acho que é quatro palha de milho, quatro palhinha, ficou memo. Nem que a gente não alembra, mas se a gente começar a fazê, ele mesmo indica, porque cê tem que...cê dobra, dobra outro [...] aponta a palha pra lá, aponta pra cá. Dobra aqui, ele não para. Então o que acontece? Tem dobrar mais um na ponta desse e travá mais um na ponta de cá. Daí fica tudo travado. É a simpatia que fazia, que nem que fazia a cadeirinha do negócio, do brejo [...] que se chama [...]. Era bonitinho, nóis virava fazendo cadeirinha assim pequeninho desse negócio. Era facinho de fazê. É o zunca[? – 00:22:49] é. E a gente vivia assim dentro da roça, esse pessoal do sítio, a mesma coisa. Antes da represa, tinha a famosa pescaria de piracema, que é época de enchente, acho que, eu num lembro se é agora nessa época agora que era tempo de chuvarada que dava enchente, ficava que nem tá a represa, não assim total cheio, mas assim mais ou menos igual, de fora a fora, embora pra Perdões [Bom Jesus dos Perdões], num nível só, aquela enchentão. Então nóis ia esperá peixe, a gente fazia o girão, era a mistura mais prática da gente era o peixe. A gente fazia o girão no tempo da seca, quando rio tava seco, fazia o girão. Não sei se você sabe o que é girão, girão é: a gente entrava, cortava a madeira comprido, apontava a ponta, quatro pala com a ponta assim, quatro forquilho e apontava pra ele entrá certo na terra, daí subia um em cima e ficava dois dentro da água, com a água pro peito se balançando, e balançando o pau ia descendo, quando não descia mais parava, e passava no outro. Então tinha os vão, de distância certo, que era pra depois, quando era o dia da pescaria, daí estivava de taquara em cima, pra gente apoiá em cima, ficar em cima, era uma ponte, espécie de uma ponte. Daí a gente sentava naquele vão da madeira, com a rede, de espera, porque a gente tem que sentí a hora que o peixe entra pra sortá a rede, a rede de espera é uma tesoura assim de taquara, a rede amarrada na parte de baixo, a gente segura nas duas parte de cima, a gente enfia lá e tem uma cordinha que fica na ponta do dedo, um toquinho de pau que batê lá a gente sortava a cordinha e puxava e era um toco de pau, mais a maioria é peixe. É o sinal da batida do peixe, o peixe desce, bate na rede, a gente soltava pra caçá ele. Nossa, caçava de saco de peixe, no tempo da piracema. É...então a gente amanhecia na beira d’água, chagava na casa de madrugada, às vezes a muierada tava fazendo armoço pra ir pra roça. Era... saía da pescaria pra roça. Depois tinha o dia de caçá, de espingarda pro mato, divertido, é que aqui tinha muito, antes da represa, bicho do mato, capivara, paca... e a turma matava pra comê, veado...esses bichinho. Hoje...de vez em quando aparece um coitado por algum mato. Acabou tudo né? Eu acho que subiu, por causa da represa subiu nas mata né? N’algum lugar tá. Que nem aí do outro lado da represa, naquele morro ali, deve tê muito bicho. Aquele morrão que aparece assim do outro lado da ponte, onde tá tudo desbarrancado. Que a água cercou em volta. Mas era assim, e o pessoal aqui na’onde tá a represa mesmo, de ponta a ponta, todo mundo vivia da lavoura: de arroz, feijão na varge, tempo da seca, quando a varge tava seca, plantava feijão, plantava milho, plantava, o arroz vamos supor era bom no tempo da chuva, quando enchia, o arroz ficava por cima, quando a água baixava – só se demorasse muito acabava o tempo dele – mas quando era enchente assim de poucos tempo a terra protegia o arroz do mato, a gente ia carpí com água na cintura, o arroz ia na carreirinha assim, tinha que entrá um no meio e ir roçando com a enxada. Era...era tudo...depois, que veio a água, começou a acabar tudo. E o povo, a maioria rico, como se diz, de propriedade, mais pobre de...de...das coisas né? Não tinha nada. Tinha às vezes um pedaço de terreno grande, mais num tinha como vivê sem aquilo só pra plantá, comê e bebê e aquilo só. Num tinha dinheiro, num tinha um carro, argum tinha uma carrocinha, uma charretinha, cavalinho pra saí, argum tinha uma bicicleta, argum era no pezão só. Então era assim, vivia da roça, era uma vida assim apertada, na situação financeira, mais dentro de casa, chegava a perdê mantimento, era muito... porque tinha de tudo, tudo. Mistura, nunca faltava porque um porquinho sempre tinha no chiqueiro, quando num tinha...porque tinha que tê, tinha muita coisa pra jogá fora, a criação comia. E criava, não é que nem hoje tudo na ração, não... Naquele tempo...nóis chegava de tarde, cada um de nóis da escola, nóis tinha, o deles [de sua esposa] não sei como que funcionava, mai nóis, cada um nosso era escalado: chegava da escola, rancá um carguinha, carguinha é um jacazinho assim que é feito pra você carregá nas costas, uma carguinha de mandioca, de cada um, o outro ia cortá um, dois cesto de cana. Chegava lá “beeim” no mangueiro e largava lá até amanhã. Daí quando era de noite a gente ia... acabava de jantá, e nóis era em 2 só em casa, só eu e o meu irmão, um ia lavá os pratos e outro ia bardeá a água pra trazê água na casa. E as muierada ficava limpando a casa, ajeitando, debuiando o milho na mão pra fazê farinha, que vai planejando antes. É...era trabaiado, mas divertido.